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Complexidade e Agile (Parte 4): Experimentos e Exaptação

“Nenhum número de experiências, por muitas que sejam, poderão provar que tenho razão. Mas será suficiente uma só experiência para demonstrar que estou equivocado.” Albert Einstein

Chegamos na quarta parte da série e neste artigo vamos explorar um pouco mais o domínio Complexo. Vou explicar – como comentei no final da parte 3 – porque a experiência na Taiba – Ceará com um grupo de agilistas experientes foi uma das únicas experiências que tive na minha carreira com um processo de fato se beneficiando da Complexidade. Entender as bases é primordial para construir seu conhecimento, então, caso ainda não o tenha feito, leia as partes 1, 2 e 3 anteriores antes de continuar.

cynefin

Lidando com o Complexo

Nos artigos anteriores da série vimos algumas características do domínio Complexo no Cynefin. Resumindo:

  • As relações entre causa e efeito não são claras a priori
  • Poucas restrições fazem os agentes terem liberdade para explorarem novidades
  • A palavra chave do ambiente Complexo é “experimentação”
  • Colocar ou remover restrições habilitam o sistema transitar para um Sistema Ordenado (Complicado/Óbvio) ou Caótico
  • Previsibilidade, ajuda externa (Consultoria de Experts) e Planejamento Determinista não fazem sentido neste domínio
  • Você não consegue definir um destino certo ou os próximos passos no Complexo, porém você consegue observar o “vetor” (direção) e a “velocidade” do Sistema.

Neste artigo vamos falar sobre mais dois aspectos do Complexo, que mais uma vez não vejo a comunidade Agile discutir ou sequer mencionar: como influenciar o “vetor” e experimentos paralelos.

No relato da Taiba (parte 1) o grupo se dividiu voluntariamente em 3 times menores e cada time, seguindo seus próprios interesses, rodou um experimento. Isso pode ferir suas convicções sobre “unidade, coesão e auto-gestão” de um time, mas, se acostume com isso – se você busca inovação a melhor forma de atingir esse objetivo é através de diversos experimentos paralelos MUITAS VEZES contraditórios para que você se beneficie da Complexidade. Quando digo diversos experimentos paralelos o episódio da Taiba foi exatamente isso. Era um ambiente onde as pessoas tinham segurança para poder falhar (safe-to-fail, segundo o Dave Snowden), não estavam limitadas por um processo ou pela autoridade de uma ou mais pessoas.

Diversos experimentos paralelos e muitas vezes contraditórios é tão raro que fica até difícil dar exemplos. No caso da Taiba isso teve uma origem. Conversando um pouco mais a fundo com o Rodrigo de Toledo – um dos agilistas presentes no encontro – ele comentou que o “racha” no grupo ocorreu porque o “Bafo de Onça” tinha um apelo depreciativo e pejorativo. Ele (Rodrigo) decidiu divergir e criar um contrário: o “Afim de você”. É uma pena que além deste exemplo na Taiba eu não tenha muitos outros exemplos para fundamentar mais o que seriam experimentos contraditórios (você pode me ajudar nos comentários!) – o que é uma lástima – infelizmente muitos dos agilistas que se dizem experts em Complexidade são guiados pela percepção de uma única pessoa (geralmente o PO) e quase nunca avançam suas iniciativas sem um firme consenso de direção.

Nós mergulhamos no Complexo essencialmente para encontrar o que é valor. Sempre tenho reservas em usar referências hollywoodianas e cultura “pop”, mas sobre lidar com o Complexo deixe o Nicholas Cage no filme “O Vidente” (Next, 2007) ensinar você!

Um parêntese importante neste parágrafo. Uma das críticas que me vem a mente neste momento é a percepção que algumas pessoas tem a respeito da “diversidade” no ambiente de trabalho. Infelizmente, uma percepção politicamente correta do tema é simplesmente uma organização que não tem preconceito em contratar negros, mulheres, gays, trans e membros de outras minorias. Sob o ponto de vista da teoria que defendo aqui, logicamente, não é a aparência ou a orientação sexual de uma pessoa que trará os benefícios de atuar no Complexo, mas sim a diversidade de pensamento e a capacidade de divergência saudável. Antes que comecem os espantalhos, claramente prego que uma empresa NÃO DEVE ter preconceito algum e contratar independente de raça, condição social ou orientação sexual, porém, se você no seu time tem um negro, um indiano, um gay, uma alemã, uma coreana trans e uma esquimó lésbica, mas TODOS pensando da mesma maneira, isso não traz benefício algum para termos experimentos diversificados ou contraditórios. Utilizar coaching individual para que todos estejam sempre na mesma página é um erro. Talvez na sua equipe você precise ter um anarco-capitalista, um liberal, uma conservadora, um progressista, um ateu, um cristão, uma otimista, um pessimista, um extrovertido, uma introvertida, uma racionalista, um emocional… Terá momentos que você precisará de alguma convergência deles, porém, para a inovação, deliberadamente a divergência e o contraditório deverão ser estimulados.

Atualmente estou lançando meu quarto empreendimento de produto digital (os anteriores falharam – posso contar essas histórias em outra ocasião). Este produto atual tem como público alvo grávidas. Temos uma divergência de visão dentro da equipe: algumas pessoas acham que a grávida é essencialmente emotiva e tradicional. Eu acredito que as grávidas de hoje são maduras e modernas. Estamos rodando experimentos paralelos para ver qual das ofertas teria mais “tração”. Ainda não tenho resultados. Rodar experimentos paralelos custam mais caro, mas, talvez seja a diferença entre aprender mais rápido de forma escalada ou aprender pouco rodando um experimento por vez – a abordagem que vejo geralmente no mercado seja Ágil guiado por um PO, Lean Startup pivotando, Design Thinking usando divergência e convergência ou outras…

Vários experimentos paralelos são vários MVPs? Não… simplesmente NÃO. Vários experimentos paralelos e/ou contraditórios são vários “testes” que você pode fazer: uma landing page, uma fake feature, um teste A/B, uma pesquisa, uma campanha, um ensaio arquitetural, um teste em outro mercado, “sair do prédio” (Customer Development), uma POC, uma exaptação (ver mais adiante) e talvez, um MVP. No Complexo não há produto, não há projetos, não há backlog – no Complexo só há design de experimentos e seus resultados – se você está vendo relações de causa e efeito do que vai acontecer nos seus próximos passos isso é comportamento do domínio Complicado (qualquer associação que você agora fizer com Release Planning e “Backlog Grooming” não é mera coincidência). Definitivamente atuar no Complexo significa usar a criatividade para EXPERIMENTAR em um ambiente com poucas restrições e fazer progresso testando alternativas em rápidas iniciativas que gerem aprendizado. Sim, é muito raro ver experimentos paralelos no mercado.

Uma dúvida que deve pairar na sua cabeça é: Como ter “algum” controle dado que vários experimentos paralelos e talvez contraditórios podem ter direções diferentes e chegar em conclusões diversificadas? Em primeiro lugar saiba que no Complexo, num ambiente de inovação, você quer ter diversidade de opções, mas nem todas serão aproveitadas ou são desejadas. Neste caso entra a liderança ou gestão para alimentar comportamentos desejados e deixar minguar comportamentos indesejados com o mínimo de intervenção direta. Isso deve ser feito sempre indiretamente colocando ou removendo restrições. Lembra da festa adolescente da parte 2? Gerenciar a festa no Complexo começa com uma única regra simples, mas no desenrolar da festa novas restrições podem emergir – com restrições você direciona o comportamento. Poucos gestores ou líderes possuem essa habilidade. Até o momento não vi nenhum Scrum Master com esse comportamento.

Se você seguiu as minhas recomendações na parte 1 agora é o momento de você revisitar a sua anotação de qual seria sua ação de liderança caso algo parecido com o relato na Taiba acontecesse na sua empresa ou time. Vou adiantar que fiz uma experiência social antes de escrever essa série de artigos: perguntei num fórum aberto para diversos agilistas qual seria a atitude deles e esse meu experimento confirmou diversas impressões minhas sobre a comunidade. Talvez o resultado desse meu experimento seja parecido com o que você faria. Primeiramente todos os agilistas viram um PROBLEMA na cisão do grupo em várias frentes diferentes, rodando diversos experimentos e a “solução” seriam as práticas ágeis como colocar um PO para direcionar o time (“como pode ser Agile sem um PO?”), facilitação para “resolver o conflito” (ah… a facilitação – canivete suíço Agile) e até, pasmem, autoridade (alguém mandando o que deveria ser feito). Uma única pessoa achou positivo ter mais de um experimento, mas foi uníssono eles visualizarem que o “racha” do time foi um problema e de alguma forma contra valores e princípios ágeis.

Agile é muito dependente de democracia e consenso. Isso é uma restrição cega para os agilistas. A necessidade de um objetivo único da Sprint, a técnica do Planning Poker (consenso) e a divisão do trabalho entre time e PO, tudo isso reforça meu argumento. Infelizmente o uso desse mindset e técnicas são incompatíveis com a Complexidade. Outras restrições como Sprints, Definição de Pronto, Auto-organização da Equipe também podem minar a capacidade da gestão em mover restrições para alimentar comportamentos positivos e minguar os indesejados.

 

microraptor

A ocorrência da “Exaptação”

Gerenciar ou liderar um sistema usando a teoria da Complexidade pode trazer benefícios inesperados. Sempre falamos muito sobre evolução e como uma ideia pode se ligar a outra olhando esse “vetor” e “velocidade” de um sistema complexo. As vezes desvios extremamente benéficos surgem. Há uns 5-6 anos atrás quando falávamos da marca Amazon pelo que mesmo ela era conhecida? E-commerce, né? Agora ela também é conhecida como infra-estrutura de Cloud. Como pode acontecer isso?

Na biologia dinossauros com penas inicialmente eram úteis como atrativo sexual, para atrair parceiros(as). Logicamente pela evolução quem tinham mais penas atraiam mais parceiros(as) e assim tinham maior probabilidade de passar seus genes para frente. Um belo de um dia um desses dinossauros cheio de penas caiu de um penhasco e PÁ! Temos os pássaros. A Exaptação não é uma adaptação ao meio, mas sim o uso de determinadas características para outras coisas, algo que não acontece por pressões seletivas do seu objetivo inicial.

O Twitter inicialmente nasceu para que as pessoas economizassem com SMS. Virou um microblog. O Flickr nasceu como uma plataforma para gamers compartilhar screenshots. Virou um site genérico de fotografias. Um dia um técnico da 3M estava querendo criar uma super-cola. Não deu certo – ela fixava as coisas temporariamente só, porém um de seus companheiros achou útil para colar recados – nasceu o nosso amado Post-it. Logicamente a exaptação só é possível “fora da caixa” da gestão do domínio Complicado, isto é, num ambiente sem cegueira por um único objetivo, com comportamentos e restrições co-evoluindo, onde a emergência acontece e a organização está focada no aprendizado.

Com isso eu encerro a parte 4 da série “Complexidade e Agile”. No próximo artigo vou colocar algumas críticas a diversas abordagens comuns no mercado como Design Thinking, Lean-Startup, Kanban e outras. Prometo que na parte final passarei uma série de dicas de como usar esses insights em algo prático para você usar na sua equipe/organização.

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