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Assimetrias – Uma nova visão sobre riscos em TI

Era o inverno de 2006. Eu atuava como consultor de arquitetura de software para uma grande empresa de outsourcing e neste meu cliente surgiu um desafio interessante: desenvolver para uma das maiores instituições financeiras do Brasil um Internet Banking Pessoa Jurídica cujo objetivo era reduzir custos nas agências e melhorar a oferta de produtos aos clientes. Basicamente o projeto era disponibilizar na baixa plataforma (Web) as transações do mainframe, e para tal, mais de 500 componentes de integração deveriam ser escritos. Cada componente Java era formado por 5 classes, 3 interfaces, um mock e um test case, que deveriam seguir a risca os padrões de integração do banco. Eu acredito que a missão de um arquiteto de software é compreender e melhorar as abstrações, tornando o trabalho da equipe mais fácil e produtivo. Analisei aqueles 500 componentes que deveriam ser construídos e tentei encontrar tal abstração. Cheguei a conclusão que seria possível construir um gerador de código que instantaneamente criaria os mais de 5.000 programas Java diminuindo o tempo e o custo do projeto em mais de 70%. Haveria algum risco, porém a outra alternativa seria “a força bruta”: alocar aproximadamente 10 desenvolvedores por pelo menos 6 semanas (isso era o que estava previsto no cronograma do projeto inicial) para escrever os mais de 5.000 programas em uma tarefa repetitiva, propensa a erros e capaz de acabar com a moral da equipe para tarefas mais importantes. Eu não tinha autonomia suficiente para decidir entre fazer ou não o gerador de código. Havia um risco dele não funcionar, por isso tive que questionar o gerente do projeto se poderia tentar. Se você fosse tomar essa decisão qual caminho escolheria?

Uma das coisas que mais tenho ensinado ao mercado nos últimos 7 anos – especificamente quando comecei a promover o Kanban – é tomar decisões com sabedoria: usar métricas, teorias, fenomenologias e a ciência ao seu favor no trabalho de gestão. Uma das técnicas que tem me ajudado muito – seja em clientes de consultoria, nos nossos projetos internos da Aspercom e até na minha vida pessoal – é calcular assimetrias entre investimento e retorno, e daí vem os conceitos de concavidade e convexidade inicialmente explorados por Nassim Nicholas Taleb no livro Antifragile. Creio que a primeira pessoa que relacionou isso com produtos digitais e TI foi Kent Beck – talvez o único autor do Manifesto Ágil que continua se reinventando – que fez uma série de videos curtos muito boa sobre este assunto.

Para analisar as assimetrias do projeto descrito acima precisamos elencar e mensurar alguns possíveis desfechos para a decisão entre A ou B:

A. Força Bruta (nem sequer vamos tentar o gerador)

A1. Tudo deu errado! 25% de estouro de prazo e 50% de retrabalho em bugs

A2. Mais ou menos: 10% de estouro de prazo e 25% de bugs

A3. Conforme o planejado! Entregue no prazo e 10% de bugs

A4. Espetacular! Entregue 10% antes do prazo e 0% de bugs

B. Investir 2 semanas do arquiteto no gerador de código e:

B1. Ele falha miseravelmente: nenhum componente dele é aproveitável

B2. Ele tem sucesso baixo, gerando só um terço das transações mais simples

B3. Ele tem um sucesso mediano, gerando 66% das transações

B4. Ele tem um sucesso espetacular, gerando quase todas as transações

Com o resultado dessa análise podemos fazer algumas brincadeiras:

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Gráfico 1: Retorno sobre as possibilidades de B

No gráfico 1 observamos que caso B1 ocorra o prejuízo será de R$ 24.000. Caso B2 ocorra teremos um retorno positivo de R$ 35.400. Caso B4 ocorra ganharíamos (ou deixaríamos de perder) incríveis R$ 154.200. Este cálculo leva em consideração os custos diretos e o custo do atraso. A conclusão que temos é que a sensibilidade de B não é linear – veja a linha de tendência exponencial em vermelho – e além disso a função de B é convexa, deixando claro que valeria a pena correr o risco de talvez perder R$ 24.000 (B1) comparativamente com o potencial de ganhos de R$ 154.200 (B4). B seria uma estratégia de jogar para vencer buscando retornos de até 6x o investido. É pescar num mar que você sabe que tem um atum de 400kg. B é um exemplo do que é “CONVEXIDADE”, ou melhor, B é uma estratégia convexa!

 

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Você pode fazer o download da planilha com os cálculos deste artigo neste link.

 

Vejamos agora a opção A:

Gráfico 2: Possíveis retornos da estratégia A
Gráfico 2: Possíveis retornos da estratégia A

O gráfico 2 mostra a estratégia e possíveis retornos da opção A e seus prováveis desfechos. Basicamente estaríamos nesta estratégia torcendo para que nossas estimativas e dimensionamento da equipe estejam certos lutando bravamente para ficar entre A3 e A4 e gerenciando para que A2 e A1 não se concretizem. É jogar na retranca, esperando que o pior não aconteça. É como ser o responsável pela entrega de um piano de cauda tendo que elevá-lo ao 23º andar de um prédio no meio do centro da cidade. A é um exemplo de “CONCAVIDADE”. A é uma estratégia côncava.

 

Concavidade e Convexidade

Conceitualmente algo é economicamente côncavo quando suas vantagens (upside) são menores que suas desvantagens (downside). É o que vemos na curva em roxo no Gráfico 2. O convexo é exatamente o contrário: as vantagens são maiores que as desvantagens – a curva vermelha no gráfico 1. No côncavo os ganhos são limitados e as perdas virtualmente ilimitadas. No convexo as perdas são limitadas e os ganhos virtualmente ilimitados. Esta é uma ferramenta que você pode aplicar em diversas situações de tomada de decisão na sua vida profissional e pessoal. Como exemplo, em 2016 realizei um sonho antigo: esquiar na neve. Na noite anterior a minha ida ao Whitetail Resort na Pensilvânia – EUA eu precisava decidir se gostaria de fazer o esqui tradicional ou o snowboard. Visitei alguns fóruns e artigos na Internet e a opinião era unânime: o esqui é fácil de aprender os primeiros passos – em um dia você já está esquiando – mas é muito difícil de se aprimorar, levando vários anos para você dominar a arte. Já o snowboard é muito difícil dar os primeiros passos – é preciso alguns dias na neve para meramente conseguir ficar em pé na prancha e descer alguns metros – entretanto, depois que você dominou o básico, é fácil chegar ao nível expert. Se você fizer um gráfico proficiência x tempo notará que o esqui é côncavo e o snowboard é convexo. Isso facilitou a minha escolha pelo esqui tradicional já que eu teria só um dia para me divertir sem a pretensão de me tornar um às na neve. Eu e a Paola – minha filha mais nova de 11 anos – nos divertimos muito nos “slopes” daquela tarde nublada e gelada!

 

Devemos buscar só a convexidade?

Existem situações na nossa vida – como esse meu episódio na estação de esqui – que optamos deliberadamente pela concavidade. Não há valor nenhum intrínseco em estar sempre optando pela convexidade. Há muitas necessidades na Sociedade (e consequentemente muito dinheiro) que são problemas côncavos. Decidir por um ou outro depende dos seus objetivos, do seu negócio e o quanto seu estômago suporta de exposição a riscos. No artigo “Os 3 ambientes de desenvolvimento de software” descrevi Outsourcing (1), Desenvolvimento Interno (2) e Produtos/ISV (3) como os ambientes mais comuns que atuo como consultor. No Outsourcing geralmente temos um negócio côncavo: é relativamente rápido e pouco arriscado montar uma empresa de prestação de serviços de desenvolvimento de software, mas você só ganha escala (dobrar ou triplicar seu faturamento) crescendo a organização (talvez o dobro ou o triplo). Quando você trabalha na área de TI interna de uma empresa (ambiente 2) você pode estar em concavidade (fazendo um software que, como exemplo, pode diminuir alguns custos) ou convexidade (como exemplo, projetos de Transformação Digital que podem criar novos mercados e aumentar significativamente os lucros). Já o ambiente de produtos/ISV (3) é na sua maioria uma opção convexa: acertar o “problem-solution-fit” e o “product-market-fit” pode ser arriscado e dispendioso, porém, uma vez acertado, o potencial de crescimento é exponencial. Essa é uma das razões pela qual empresas de outsourcing e boutiques de produtos digitais mais inovadoras tem cada vez mais tentado investir seus conhecimentos em seus próprios produtos ou tecnologias, migrando para o ambiente 3. É uma das maneiras de sair do “Mediocristão” (geralmente uma estratégia côncava, jogar para não perder) para o “Extremistão” (uma estratégia convexa, onde uma jogada certa pode trazer dezenas ou centenas de milhões de reais em retorno sobre o investimento).

Talvez a maior lição sobre riscos seja essa: as assimetrias entre investimento e retorno – côncavo e convexo – nos mostram que tomar uma postura extremamente avesso ao risco é uma estratégia frágil que possivelmente torna míope quem só consegue ver as vantagens (upside) e não as desvantagens (downside) . O típico brasileiro geralmente tem essa postura de baixa confiança, pessimismo com o futuro e foco no curto prazo. Como qualquer jogador de poker sabe é um problema quando seu medo de perder é maior que sua vontade de ganhar.

 

Relações com a Teoria da Complexidade

Aproximadamente 1 ano atrás, influenciado pelo meus estudos da literatura de Nassim Nicholas Taleb, trouxe o assunto das assimetrias para a comunidade Agile. Não foi uma azeitona simples de engolir para a maioria dos agilistas, mas estamos evoluindo muito nossas discussões. O destaque fica para o pessoal da Crafters e da Taller, que tem estudado o assunto mais profundamente. Para mim o entendimento das assimetrias (concavidade e convexidade) é uma explicação mais palatável aos gestores do que a Teoria da Complexidade. Isso não quer dizer que côncavo e convexo “substitua” a complexidade, mas sim dão uma explicação e fornecem um ferramental melhor para os gestores atuarem nos seus ambientes. De acordo com Taleb a concavidade aponta suas fragilidades e convexidade demonstra sua robustez e antifragilidade. É possível calcular matematicamente esses conceitos. Essa propriedade é interessante, pois não precisamos compreender ou decifrar a complexidade bastando detectar e remover aquilo que nos torna frágeis e buscar o que nos torna antifrágil. Esta heurística é um guia mais conservador, “pé-no-chão”, realista e nos remete a ação imediata. É muito difícil e idealista tentar encontrar o que é o certo, mas é fácil e realista observar o que está patentemente errado nos nossos ambientes, estratégias e processos.

 

Saber calcular as assimetrias entre risco, retorno e investimento é um diferencial ímpar para os gestores do trabalho do conhecimento e tem profundas relações com agilidade, antifragilidade e inovação. Caso queiram saber mais acesse meu curso online “Gestão Moderna” na experiência estendida do Software Zen em parceria com a Aspercom acessando o link a seguir:

 

http://softwarezen.me/rodrigoyoshima

 

Encerro este artigo com algumas perguntas que podemos discutir nos comentários:

– Seu negócio hoje é economicamente côncavo ou convexo?

– Implantar um processo Agile é como esqui ou como snowboard?

– Por que usar Kanban é essencialmente convexo?

– Como você classificaria jogar na loteria e jogar Black Jack num cassino?

– Que relação você enxerga entre convexidade e inovação?

– Na sua vida pessoal, sua carreira é côncava ou convexa? O que você poderia fazer para mudar?

(a título de curiosidade, no projeto em 2006, o gerador de código funcionou para 99% das transações com o mainframe – situação B4 – entregamos o projeto bem antes do previsto, com qualidade superior e com uma redução do esforço de aproximadamente 80%)

2 Comentários

  1. Handrus

    Grande artigo! Parabéns!
    Em vendas o argumento concavo vs convexo também é bem mais fácil de ser absorvido. Tentei falar de assimetria uma unica vez, mas só complicou na cabeça da galera. Teu artigo e a planilha vão ser ótimas ferramentas de convencimento!

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