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Dois dias com a ThoughtWorks

Há diversas maneiras de você explicar uma empresa. Alguns explicam uma empresa olhando seu faturamento, a quantidade de pessoas ou o valor da ação. Há quem explique a empresa olhando para seus donos. Poucos tentam compreender uma empresa olhando a sua cultura. Estou escrevendo este blog do Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre depois de dois dias muito intensos visitando a ThoughtWorks (TW). Muitas histórias para contar…

Conheci o Roy Singham no Agile Brazil 2009 e desde então nos tornamos bons amigos e tenho auxiliado ele e outros lideres da TW sempre que posso quando o assunto é Brasil. No inicio desse mês o Roy me convidou para um café da manhã pois estaria em São Paulo, e nesse encontro tive a oportunidade de conhecer o Nathan, seu filho mais velho, pesquisador na área de sociologia, e que possui um projeto de pesquisa muito interessante sobre educação na Bolívia. O Roy me convidou para o ThoughtWorks Away Day que rolaria no final de semana, e mesmo em cima da hora, consegui liberar minha agenda. Foi uma decisão sábia aceitar esse convite.

O ThoughtWorks Away Day é um evento anual interno que acontece em cada um dos escritórios da TW no mundo. Um final de semana de bate papos, confraternização, palestras e diversão. Nessa ocasião especial aqui no Brasil teve um encontro da liderança da TW com a presença de vários diretores e CTOs, alem do Roy (chairman) e do Trevor Mather (presidente).

Logo na sexta-feira participei dessa reunião com grande parte dos lideres da TW. A reunião foi um painel sobre estratégias para a América Latina e outros assuntos sobre outros escritórios da TW no mundo. Foi a primeira vez na vida que vivenciei de perto os desafios que existem em se manter a cultura de uma grande empresa no mercado global. Sem muita preparação o Roy me pediu para passar um pouco do cenário no Brasil, e com canetão e flipchart, passei alguns números recentes do relatório da Abes, e vou confessar que alguns desses números eu mesmo desconhecia e deixaram muitos presentes surpresos:

  • US$ 19 bilhões é o mercado brasileiro de software e serviços de TI
  • O Governo responde por 25% do mercado
  • Bancos e Indústrias somam 35%
  • Desde 2004 o mercado cresce de 25% a 30% ao ano, exceto em 2009, ano que não teve crescimento algum por conta dos americanos não saberem avaliar o risco de contratos imobiliários.
  • O mais interessante de tudo: Pequenas e Médias Empresas respondem por 94% do mercado.

Algumas discussões interessantes surgiram da minha breve apresentação. Guo Xiao, Managing Director da China, apontou que, por incrível que pareça, o mercado brasileiro de software e serviços é maior que o chinês (em aproximadamente 4 bilhões de dólares).

No restante da reunião foram discutidas questões fundamentais sobre o futuro da TW, tudo sempre baseado nos famosos três pilares da empresa: sustentabilidade do negocio, excelência técnica e preocupação social. Muitas empresas possuem sua visão e missão somente no papel, achei interessante como nesses dois dias os ThoughtWorkers realmente fundamentam a maioria das suas decisões nesses três pilares.

Foi um privilégio sem igual participar ativamente dessa reunião da liderança de uma empresa global de tecnologia como a TW. Tive um aprendizado enorme. Talvez muitos de vocês devem estar se questionando porque eles permitiriam que eu e mais três pessoas de fora da empresa (Ricardo da Abril, e Israel e Marcelo, lideres da comunidade Agile na Bolívia) participassem desse encontro onde tantos assuntos estratégicos foram discutidos. Foi constrangedor por alguma das partes? De jeito nenhum! Essa reunião foi um divisor de águas na minha visão sobre liderança, transparência e humildade. Mesmo entre tantos diretores, CTOs e toda a presidência da empresa todos estavam a vontade para falar, criticar e tinham todo interesse em ouvir, mesmo sendo um jovem micro-empresário latino americano como eu.

Após essa excelente e produtiva reunião tive a oportunidade de conhecer as equipes no escritório da TW no Tecnopuc. O ambiente é tudo aquilo que você pode esperar de uma empresa Agile de verdade: a sala é aberta, mesas são compartilhadas, pessoas pareando, kanbans e outros tipos de visualizações muito interessantes por todos os lados, alem de vários links diretos com os clientes nos EUA via grandes TVs LCD e Skype. Um violão, um XBox (sempre em uso!) e uma copa cheia de cuias de chimarrão complementam o pacote. Logicamente, nada disso faz a empresa ser Agile – não copiem a TW. O meu julgamento para dizer que a TW é uma empresa Agile de verdade é a dinâmica social que ví naquele lugar: o jeito que eles conversam e como rola essa interação. Tive até oportunidade de discutir tecnicamente algumas coisas e falar com as pessoas sobre os projetos – sempre em inglês – pois muitas pessoas nesse escritório são da Austrália, Alemanha, Índia, Bolívia entre outros. Particularmente fiquei muito contente quando vi que vários TWers brazucas, que vieram conversar, são ex-alunos da Aspercom ou leitores daqui do blog.

O ThoughtWorks Away Day aconteceu em Bento Gonçalves, onde pude ver um pouco mais de perto como funciona uma empresa grande e com um modelo de gestão realmente moderno. Como era de se esperar pelo pouco que conhecia da TW, lá não há hierarquias rígidas, eles prezam pela transparência, comunicação e uma forte liderança participativa. Qualquer pessoa acostumada com a gestão tradicional insana que rege a maioria das empresas do mundo pode se sentir completamente confuso nesse ambiente. Decisões são tomadas em conjunto, há muita abertura para conversa e você pode criticar livremente seus lideres. Olhando de fora e de forma rápida você se questiona se aquilo funciona. Olhando com um pouco mais de atenção você nota que na TW há uma forte motivação intrinsica no ar – a energia da inovação – são seus pares, os clientes, a diversidade cultural e o poder do ambiente formado por estar no meio de tantas pessoas criativas e livres do comando-controle. Isso é exatamente o que gostaria que meus clientes desenvolvessem.

O grande momento do Away Day aconteceu no almoço do sábado. Rae Abileah, uma ativista americana e responsável pelo movimento Code Pink, inspirou a todos nós palestrando sobre Justiça Social em todo mundo, desde o atual movimento Occupy Wall Street, passando pelas manifestações contra as Guerras do Iraque e Afeganistão (onde a exorbitância de 3 a 4 trilhões de dólares foram gastos) e os conflitos e revoluções no Oriente Médio. A Rae foi a grande estrela do encontro, com direito a uns 5 minutos de uma platéia perplexa aplaudindo de pé pelas suas apaixonadas exposições. Parabéns Rae pelo seu excelente trabalho. Se cada habitante desse planeta tivesse 1% da sua disposição teríamos cidades, estados, países e um Mundo mais igualitário.


Rae Abileah, nos trazendo de volta para o Mundo

Durante esses dois dias aprendi, troquei idéias, discuti e me inspirei em aproximadamente 120 pessoas dos Estados Unidos, Bolívia, Inglaterra, Canadá, Escócia, Índia, Austrália, Alemanha e logicamente muitos brasileiros. Talvez esse post não consiga traduzir sequer 10% das experiências que vivi ali. Definitivamente um grupo brilhante, que acredito ter a vontade e os meios para realmente revolucionar a TI no nosso mercado e no mundo.

Eu não tenho a pretensão com este post tentar explicar a ThoughtWorks, isso seria assunto para um livro. Como consultor eu visito de 3 a 6 empresas por mês analisando seus processos e sua cultura, e uma das características mais únicas que vi na TW é algo muito muito raro: CONSISTÊNCIA DE PROPÓSITO, a primeira qualidade a ser buscada no System of Profound Knowledge do Deming. Poucas empresas possuem uma visão clara, útil e empolgante. Poucas defenderiam essa visão com tanto afinco quanto a ThoughtWorks.


Campanha da Code Pink, Make ________ not War!

17 Comentários

  1. Marcos Antonio de Assis

    Inspirador, uma pena que a maioria das empresas ainda pensem diferente disso, dando mais valor a um cultura “nazista”.

    Considero a TW como um exemplo de sucesso a ser seguido e uma meta pessoal.

    Parabéns a todos!

  2. James Brum

    Grande relato Rodrigo,
    TW é modelo a seguir da moderna forma de administrar,
    rompe paradigmas e mostra que é possível uma nova cultura empresarial,
    a cultura ‘Agile’.
    Gostei da parte – Essa reunião foi um divisor de águas na minha visão sobre liderança, transparência e humildade –
    Abraço

  3. Rae Abileah

    Obrigado Rodrigo!
    This is an excellent blog on the Away Day (I read it thanks to google translation). I am so grateful to have participated in this conference – I learned a lot from witnessing Agile at work in the TW community, which I hope to take back to the peace and justice movement in the US. It was an honor to speak to the TW Brazil team – which is so passionate, brilliant, and on the cutting edge of new thinking. Never could I have imagined that I would be giving a talk about Occupy Wall Street and the issues of capitalist greed and war profiteering to a transnational company – and that it would be well received. TW proves that a big business can do good and stay true to social justice, not just charity. I wish TWers in Brazil much success on implementing Pillar 3 locally in Porto Alegre!

  4. Bruno Trecenti

    Ei ei ei… ! foi muito legal te conhecer e trocar idéias, fico honrado de ter passado esse tempo com você e com todo o pessoal, a TW é isso… todos unidos, felizes e abertos a novas experiências.

  5. Thiago Ghisi

    Olá Rodrigo, muito legal esse post!

    Também sou um admirador do trabalho da TW! 🙂

    Virei um fã após ver o sensacional Keynote do Roy lá no Ágiles 2009 em Floripa, Keynote no qual ele anunciou a vinda da ThoughtWorks para o Brasil.

    Talvez você não saiba a resposta para essa pergunta, mas mesmo assim vou perguntar:

    Porque a TW decidiu investir na Bolívia e não on Paraguai, Uruguai, Peru …. ou até mesmo na Argentina?

    Abs.

    • Rodrigo Yoshima

      Olá Thiago! Não sei responder de forma determinista, porém, com certeza deve ter relação com os três pilares. No conjunto sustentabilidade, excelência e social as fichas foram para Bolívia. Eles não decidem como as outras empresas decidem.

  6. Patrick Negri

    Ok, só uma coisa…

    Governo = 25%
    Bancos e Industrias = 35%
    Pequenas e Médias empresas = 94%

    Já passou de 100% faz tempo né? Mesmo que 20% fosse banco, ainda daria 45% de mercado de grande porte.

    • Rodrigo Yoshima

      Patrick, vc misturou bananas com laranjas.

      Governo, Bancos, Industrias e outros negócios. Das empresas pequenas e médias que somam 94%, muitas prestam serviços para Governo, Bancos, Indústrias. Entendeu?

  7. Rodrigo

    Obrigado por compartilhar a experiência, Rodrigo. Como você mencionou, um post é pouco, mas deu para reforçar a imagem que essa empresa passa para nós aqui de fora. Ainda mais vindo de você, que é um cara crítico e gosta de evidências dando lastro nos argumentos. Muito bom!

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